Maria, figura central da próxima Jornada Mundial da Juventude, é o primeiro sinal da Primavera de Deus, no inverno da humanidade. Como no-lo recorda o lema da JMJ, partiu “apressadamente”, porque essa Primavera, anunciada pelos profetas e ansiada pelo “povo que habitava nas trevas” (Mt 4, 16; Is 9,1) não podia mais ser adiada: tinha de contagiar outros, como mais tarde fará seu Filho Jesus, pelos caminhos da Palestina.
Passados dois milénios, o inverno persiste (conflitos, desigualdades e injustiças). Porém, tampouco essa Primavera deixou de dar sinal de si, da sua presença atuante.
Propomo-nos descobrir e conhecer “rostos jovens” de Deus. Jovens que foram Flores e frutos de fé, testemunhando a alegria e a paz dos filhos de Deus, em situações extremas de sofrimento ou na defesa da pureza; flores e frutos de esperança perseverante no longo inverno persecutório da fé, em tantos lugares do planeta e ao longo da história; flores e frutos de caridade que perfumaram a humanidade, na entrega das suas vidas pela dos outros, mais pobres ou vulneráveis da sociedade, em defesa da verdade e da justiça.
São raparigas e rapazes de 4 continentes, dos séculos XX e XXI. Uns, cristãos desde o berço, outros, conversões extraordinárias, onde e quando menos era espectável. Todos morreram cedo, mas marcaram o seu tempo e seus conterrâneos, porque todos frutos maduros. Assim são as Primaveras de Deus.
Desafiamos-vos, ao longo deste ano, a conviverem com eles: tomai-os como companheiros de vida cristã, mestres com quem aprender, amigos espirituais em quem colher inspiração e a quem orar, pois a maioria é venerável ou beatificada.
A 23 de novembro de 1927, era executado, sem julgamento, MIGUEL AGUSTÍN PRO. Seu crime: ser padre católico, durante a cruenta perseguição aos católicos, no México, na primeira metade do séc. XX. Nascido em 1891, o jovem Miguel, desde cedo, revela a sua veia destemida e divertida. Educado numa família profundamente crente e filho de um engenheiro de minas, Miguel conjuga estudo, contacto com a dura realidade laboral dos mineiros e a consciência da fé. Aos 20 anos decide entrar no noviciado da companhia de Jesus. Mas com a revolução mexicana e a crescente onda persecutória à Igreja católica, viu-se obrigado a exilar-se nos Estados Unidos, onde prossegue a sua formação. De lá, vai para Espanha, para estudar filosofia. Depois de 4 anos na Nicarágua, onde leciona, regressa à Espanha. Entretanto, parte para Bélgica onde estuda teologia e se prepara para a ordenação sacerdotal que ocorre em 1925.
Nesta data, 3 de outubro, nascia ROSARIO LIVATINO (1952-90), na Sicília. É filho único, numa família com grande ligação à magistratura. Acaba a escola com resultados excelentes. Dele dir-se-á que é “modesto e tímido, generoso, sério, simpático com todos e extremamente honesto…” Será a característica maior da sua existência: terá sempre horror às aparências e às mundanidades. Pelo seu estudo e reflexão descobrirá que Deus é garante da liberdade e da justiça. Isto corresponde ao seu desejo e ajuda-o a escolher o seu caminho: o seu pai é advogado, ele será juiz. Sobre isso escreve: “A justiça é necessária, mas não suficiente, ela pode e deve ser dominada pela lei da caridade, que é a lei do amor: amor para com o próximo e para com Deus, mas o próximo enquanto imagem de Deus e, portanto, seguindo um modo não redutível à simples solidariedade humana”. Nos anos 70 e 80 a Máfia domina na Sicília. A Cosa Nostra controla a maior parte do tráfico de heroína destinada aos Estados Unidos. O Estado tenta reagir mas apenas provoca um banho de sangue. A cada intervenção policial a Máfia responde por assassinatos de personalidades. O poder central decide confiar este baril de pólvora a jovens juízes vindos de toda a Itália. Rosario, residente local, naturalmente é incumbindo dessa missão. Contudo, Rosario não recua. Sente-se como “missionário do direito”, como ele próprio o diz: “o direito pelo direito não tem nenhum sentido, é um absurdo do sistema jurídico: exercer a justiça é a realização de si mesmo, oração, dom total de si a Deus”. Não cessa de refletir sobre a relação justiça / fé e de o aprofundar na oração. Todas as manhãs reza numa igreja junto ao tribunal e assíduo à eucaristia dominical, alimentando-se da meditação da Sagrada Escritura e de outros autores espirituais. Homem de oração e de fé, Rosario é também um apóstolo da caridade: tem sempre atenção aos pobres, aos doentes e aos defuntos esquecidos pelas suas famílias. Deseja fundar uma família, mas hesita e, depois, renuncia: o perigo a que se expõe a sua profissão não permite grandes planos de futuro. É uma dura prova, que ele carrega na solidão. Na preocupação de uma total independência e imparcialidade, recusa entrar no jogo dos clãs mafiosos, partidos ou movimentos. Por isso, acaba por ter poucos amigos. Essa situação afeta-o interior e espiritualmente, mas ultrapassa essa fase com mais determinação. Rosário, embora não atue no terreno, oferece-se para tratar dos casos mais sensíveis por não ter a cargo uma família. Recusa uma viatura blindada para não alarmar os seus pais e rejeita escolta pessoal para não expor a vida de outrem ao perigo. É lúcido, mas resoluto. Confia-se a Deus e a Maria. A 21 de Setembro de 1990, quando se dirigia para o tribunal, o seu carro é abordado por outro, de onde saem 4 homens armados que disparam sobre ele. No seu funeral, o bispo da diocese afirmará que a única culpa de Rosario, assassinado aos 37 anos, foi a de ter sido um “juiz perigosamente honesto” e um cristão convicto que atuou à luz da sua fé.
A 5 de outubro de 1946, morria ALBERTO MARVELLI. Viu crescer e cair o fascismo na Itália. De família profundamente católica, Alberto recusa qualquer ligação ao partido do regime, preferindo identificar-se aos valores da Ação Católica. Inteligente, pacífico, mas dinâmico, forte de caráter, generoso e com elevado sentido de responsabilidade e justiça, desde cedo exerce uma influência positiva ao seu redor. Sua fé leva-o a defender os valores cristãos, mesmo em ambientes adversos. Assim será na universidade, desafiando professores, ou no serviço militar, onde condena a guerra (em pleno conflito mundial). Encontra a sua força na oração e na eucaristia. Já sob o domínio alemão, Alberto desdobra-se para evitar a deportação de muito jovens, e apoiar as vítimas de bombardeamentos. Expondo-se ao perigo, era sempre o primeiro a sair a socorrer os feridos, a encorajar os sobreviventes, a assistir os moribundos, a retirar dos escombros possíveis vítimas. Dizia ele: “Quando houver necessidade, é preciso arriscar. Para ele, servir os outros era uma forma de apostolado. A sua morte, por atropelamento, com apenas 28 anos, consterna toda a comunidade. A sua dedicação aos outros era reconhecida por todos. Em 2004, é beatificado por S. João Paulo II.
No dia 7 de outubro de 1990, CHIARA ‘LUCE’ BADANO falecia com osteossarcoma (cancro ósseo), com apenas 18 anos. No seu funeral, numa pequena vila do norte de Itália, marcaram presença cerca de 2000 pessoas. Tudo isso pelo seu testemunho de fé e alegria que a muitos marcaram. Nascida em 1971, Chiara adorava a vida, os amigos, a natureza, o desporto, cantar e dançar... Como qualquer outro jovem da sua geração. Foi precisamente a jogar ténis que sentiu uma forte dor no ombro. A notícia é um choque tremendo para uma jovem da sua idade, repleta de sonhos e futuro. De regresso a casa, pede a mãe um momento para estar a sós. Foram 25 minutos. De luta interior, de revolta??? Só sabemos que, ao sair do quarto, Chiara está serena. Seria o princípio de uma longa caminhada de dois anos. E de um novo desafio: a santidade.
Na noite de 9 de outubro, em 1977, o corpo de DAFROZA NYIRABAHINDE era encontrado inanimado, abandonado num descampado da capital, Kigali, no Ruanda. O diagnóstico hospitalar revelará tentativa de violação, não consumada. Tinha 21 anos. Dafroza era diretora adjunta de uma Escola Familiar. Uma amiga sua afirmou, nessa ocasião: “Um sofrimento inexplicável se apoderou de nós. Sofrimento misturado com uma profunda alegria no Senhor, porque a nossa Dafroza se tornou, na sua morte, testemunha de Cristo”. Ela possuía um coração de criança. Estava sempre a sorrir. Deixava-se encantar com as coisas de Deus e as alegrias da vida. Porém, o seu trágico fim pode levar-nos a perguntar: não teria sido mais sensato consentir em vez de recusar render-se ao seu agressor? Respeitando opiniões divergentes, não podemos deixar de considerar a opção de Dafroza. Daniel-Ange que a conheceu, no seu livro ‘Testemunho de vida’, responde: “Ter-se ia afastado do caminho que tinha traçado para si própria… Interiormente, é obvio que não seria mais a mesma”. Mais ainda, “o mundo precisa de cristãos capazes de dizer NÃO à mentira, à impureza, ao roubo e a todas as desonestidades. (…) Não é cedendo à facilidade e pactuando com o mal que podemos tornar-nos sal da terra e luz do mundo, mas sim vivendo integralmente o nosso cristianismo. Dafroza soube fazê-lo, iluminada por Cristo, «sua luz», e impelida pela força do Espírito divino”.
A 10 de outubro de 1945, nascia CARLOS DE DIOS MURIAS, em Córdoba (Argentina). Em 1955, Juan Peron – que subira ao poder apoiado pela popularidade da sua esposa, a célebre Eva Peron –, é afastado por uma Junta Militar. Carlos, ao longo de quase toda a sua existência, acaba por não conhecer outra coisa senão a instabilidade e a crise na qual a ditadura militar mergulha o país até 1973. Sua irmã, descreve-o como um adolescente idealista, piedoso e sensível à condição dos oprimidos. Cativado pelo carisma de S. Francisco de Assis, pela pobreza e pelo empenhamento apostólico dos frades, Carlos torna-se franciscano. Já padre, encontra no seu bispo, Enrique Angelelli, um modelo no entusiasmo apostólico e compromisso na evangelização e defesa dos direitos dos oprimidos. Torna-se colaborador do p. Gabriel Longueville, delegado do episcopado de França para a América Latina. Os dois homens entendem-se perfeitamente e gastam-se, sem contar, em favor da sua empobrecida comunidade, explorada em condições humilhantes pelos ricos proprietários. Longe de qualquer atividade política, exercem o seu ministério em plena comunhão com seu bispo, cuja linha de conduta eles seguem na fidelidade às orientações do Concílio Vaticano II. Carlos é apreciado pela sua abnegação, seu bom humor e sua coragem. Próximo dos humildes, não hesita nunca em ajudá-los, até materialmente. Mantém igualmente um bom relacionamento com os militares de uma base aérea próxima e que ele contacta semanalmente. Todos concordam em ver nele um homem de Deus, profundamente espiritual e cuja vida está em concordância com o Evangelho de Jesus. Porém, na noite de 17 de Julho de 1976, os dois sacerdotes são levados à força por homens armados. Três dias depois, seus corpos são encontrados a mais de cem quilómetros. Os cadáveres estão crivados de balas e apresentam sinais atrozes de tortura. Carlos tinha 30 anos. Cinco dias depois, é a vez de um catequista, Wenceslau Pedernera, colaborador pastoral dos dois padres. É morto diante da sua esposa e seus filhos. No mês seguinte é o próprio bispo, Enrique Angelelli, no regresso de uma visita à comunidade que ficara sem seus pastores, que é vítima deste terrorismo de estado. Na verdade, era o regime estabelecido que mandatara a morte de homens incómodos da ordem estabelecida, somente porque reivindicavam os direitos dos mais pobres. Todos eles foram declarados beatificados como mártires, em 2019, pelo papa Francisco.