Entrevista a Padre Serafim Reis, no 25º ano de Ordenação Presbiteral

 padre serafim reis

Serafim da Conceição dos Santos Reis é padre da Diocese da Guarda e integra a Equipa do Seminário da Guarda e da equipa formadora do Seminário Maior Interdiocesano, em Braga. Nasceu em França e foi baptizado na diocese de Annecy. Estudou 7 anos em França, 1 ano na Escola Industrial do Fundão, 2 anos no Seminário Menor do Fundão e no Seminário Maior na Guarda. Nos tempos livres gosta de ler, ouvir música, contemplar e fotografar a natureza.

A GUARDA: O Padre Serafim celebra, este ano, 25 anos de ordenação sacerdotal. Se fosse hoje voltaria a escolher o sacerdócio como projecto de vida?
Serafim Reis: Sendo a vocação uma iniciativa de Deus, melhor será endereçar-Lhe a pergunta. Foi Ele quem me escolheu. Pela minha parte, a minha resposta teve Cristo e seu Evangelho como únicas referências. O sacerdócio tornou-se retorno natural na tentativa de retribuir o que Ele fez por mim. Consagrado ao Seu serviço desde o diaconado, confirmo: não podia seguir melhor Mestre e companheiro. 

A GUARDA: O que é que mais o tem marcado ao longo destes 25 anos de entrega a Igreja? 
Serafim Reis: São muitas as graças recebidas. Destaco a oportunidade de partilhar momentos únicos na vida de tantas pessoas. Lembro, como exemplo, uma ocasião em que celebrei no mesmo dia, em paróquias distintas, um baptizado, um casamento e um funeral. É um privilégio viver tantas emoções distintas, experimentadas e partilhadas. Merecer a confiança de alguém é outro tesouro incalculável. Perceber que as pessoas procuram Deus através de mim, padre, ajuda-me a tomar mais consciência do dom e responsabilidade que representa este ministério. Despertar Deus no quotidiano existencial, tornando-O presente através da Eucaristia, de gestos e palavras. “Reavivá-l’O” na memória de alguém abatido ou desvelá-l’O num coração que discerne a sua vocação ou que volta a estremecer de alegria… São milagres dos quais Deus me torna, simultaneamente, beneficiário e instrumento.  

A GUARDA: Tem uma experiência pastoral dividida entre duas realidades que se completam, as paróquias e o Seminário Maior. Como é que se têm relacionado estas duas realidades na Diocese da Guarda? 
Serafim Reis: Na verdade, ambas sofrem da falta de relação. Sucessivas circunstâncias e consequentes respostas deslocalizaram o Seminário Maior, como comunidade formativa, agora em Braga. Diz o povo: “longe da vista, longe do coração”. Neste caso, o dito “coração da Diocese” foi transplantado para fora do campo de visão. A distância e a recomendada estabilidade para uma adequada formação não permitem uma maior e desejada presença dos seminaristas. Torna-se evidente um necessário e criativo esforço de reaproximação. O Seminário tem promovido e solicitado a colaboração possível de padres das dioceses implicadas no projeto (Guarda, Viseu, Lamego e Bragança). Outra “janela” é a página de internet (www.seminariointerdiocesanosj.pt) criada para propor (divulgar quem somos, o que fazemos, Lectio-divina, propostas de leitura…) e receber (pedidos de oração…). Mas nada substitui a sensibilização vocacional dos párocos e o trabalho de pré-seminário. A pandemia dificulta algumas iniciativas, mas deve suscitar outras.  

A GUARDA: No seu ponto de vista como é que os jovens desta geração olham para o Seminário e para os padres?
Serafim Reis: Cada geração é “filha” do seu tempo. Só se ama o que se conhece e, mais do que nunca, só se ama o que se vê. Hoje, o padre é visto mais a celebrar que a acompanhar pessoas. Por isso, os candidatos ao sacerdócio revelam maior sensibilidade litúrgica, mas menor cultura evangélica. Os tempos actuais, pelas solicitações e “valores” que providenciam, fragilizam afectivamente os jovens e sua capacidade de compromisso, apesar de esta lhes ser inata. Isso transparece na forma como vêem, procuram ou rejeitam o seminário e o sacerdócio.

A GUARDA: Podemos dizer que actualmente é difícil ser seminarista ou mesmo ser padre? 
Serafim Reis: O Evangelho continua a ser cativante, se o tornarmos visível. Como dito antes, sem descuidar como celebramos, importa saber o que celebramos, não só em termos teóricos mas existenciais. Jesus “reconciliou” o quotidiano humano com Deus, que Ele revelou ser Pai. N’Ele, tudo era tão humano, quanto divino. Quando integrarmos em nós essa dupla realidade, a questão da vocação torna-se equacionável, até mesmo necessária. Creio que a questão central é: que padres queremos e para que Igreja? Esta pandemia veio recordar-nos a nossa missão: ser fermento, não massa. As igrejas esvaziadas desafiam-nos a gerar discípulos conscientes, suscitando a fé e não apenas distribuindo sacramentos. É entre seguidores e não “consumidores” que é possível propor a vocação.

A GUARDA: Como vê o futuro da Diocese da Guarda, principalmente nas zonas rurais, cada vez mais envelhecidas e despovoadas? 
Serafim Reis: Qualquer pároco saberá falar melhor do que eu. Os sucessivos governos teimam em não valorizar o nosso interior. Os residentes que permanecem são autênticos resistentes e é altamente louvável o esforço daqueles que promovem oportunidades de trabalho e cultura, e salvaguardam serviços essenciais. Outrora, a Igreja soube ser iniciativa na resposta às necessidades identificadas. Creio que, hoje, a sua missão é estar presente e ser próxima, sendo eco das interpelações das populações. Ser voz e ter voz, de Deus e das comunidades, sem necessariamente nos confundirmos com agentes políticos. Esta pandemia, como exemplo, mostrou a necessidade de uma adequada pastoral do luto.

A GUARDA: Tem admiração pelo Papa Francisco? É o homem certo para este tempo?
Serafim Reis: Estou convicto que todos os papas têm sido os homens certos para cada tempo. As suas diferenças não esbatem o que os une: o profundo amor a Deus, à Igreja e aos homens. Francisco, desde a escolha do seu nome, esforça-se por colocar o Evangelho no centro de todas as suas acções e afirmações. É daí que nasce a Igreja. Essa deve ser a nossa primordial “tradição”. Num mundo dilacerado por extremismos e individualismo, este papa relembra-nos qual o olhar e apelo de Deus sobre a humanidade. A última viagem ao Iraque não deixou dúvidas: reconciliação e fraternidade são missão urgente. Se Cristo morreu por todos, não tem sentido alimentar divisões em pseudodefesa da “pureza”. Já outros fizeram frente a Cristo com semelhantes argumentos. Deus não depende de nós. Mas dependemos uns dos outros. E é sobre isto que seremos julgados, como no-lo recorda a verdadeira Tradição da Igreja.

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