PRIMAVERA 40 - Etty Hillesum

ETTY HILLESUM nasceu a 15 de Janeiro de 1914, nos Países Baixos.ETTY HILLESUM 1
Sua família é judaica, mas pouco inclinada à religião. Aos 18 anos de idade muda-se para Amesterdão, para estudar direito e línguas eslavas. Entretanto, na primavera de 1940, seu país é derrotado pelo exército nazi da Alemanha. Para muitos, é o princípio do fim. Para Etty, é o início de uma extraordinária transformação de vida.

Em Fevereiro de 1941 conhece o psicoquirologista Julius Spier, que terá nela uma influência decisiva. Em Julho de 1942 começa a trabalhar como dactilógrafa no Conselho Judaico. Ter um emprego é condição obrigatória para não ser deportada. Não satisfeita, Etty voluntaria-se para prestar apoio no campo de trânsito de Westerbork, onde muitos judeus vivem em barracas, antes de serem deportados para os campos de concentração e extermínio. A 6 de Setembro de 1943, chegou a vez de Etty. A 30 de Novembro, em Auschwitz, a Cruz vermelha referenciava a sua morte, aos 29 anos.
Entretanto, a 8 de Março de 1941 (tinha ela 27 anos) inicia um diário onde expõe suas reflexões pessoais sobre a humanidade, seu gosto pelo estudo e literatura, encontros com amigos e seu testemunho da segunda Guerra Mundial em território holandês. Acima de tudo, consequência da sua aproximação a Deus, sua escrita revela uma rica e profunda evolução espiritual. Através da leitura da Bíblia, de santo Agostinho e da oração, abeira-se do cristianismo.
O que a torna tão próxima de nós é a caminhada que ela realiza, passando de uma vida por marcada por superficialidade e frivolidade, em termos afetivos, tão comuns aos dias de hoje, para uma profundidade e autenticidade na sua relação com os outros e, sobretudo, com Deus. Enquanto em tantos surgia o grito, tremendo e legítimo, “Onde está Deus?”, Etty, na sua simplicidade respondia: “Vou ajudar-te, meu Deus, a não Te apagares em mim… É tudo quanto nos é possível salvar nesta época, e é também a única coisa que importa: um pouco de Ti em nós, meu Deus.” Ou ainda: “O que importa é levar-Te comigo [Deus], intacto e preservado, para todo o lado e de permanecer-Te fiel, contra tudo e todos, tal como o prometi.”
Da penosa experiência no campo de Westerbork , dirá: “foram os meus meses mais intensos e ricos”.
Em todas as humilhações perpetradas contra os judeus, Etty sente-se livre. “Não sinto que esteja nas garras de ninguém, só sinto estar nos braços de Deus.” Como é isso possível? No seu diário, lemos: “Quando temos uma vida interior, pouco importa, sem dúvida, de que lado das grades de um campo [de concentração] nos encontramos.
Etty Hillesum confronta-se com o fim dos seus sonhos e projetos pessoais. A guerra, a ocupação do seu país e a consequente perseguição, não permitem muitas ilusões. Em tal cenário, tornam-se compreensíveis o pessimismo, o rancor e até a perda de fé. Porém, Etty recusa-se a cair numa lógica de ódio que ela pressente nos seus compatriotas judeus, revoltados e cansados de serem humilhados pelo regime nazi. “Encontro a vida bela e sinto-me livre… Creio em Deus e creio no homem, ouso dizê-lo sem falsa vergonha… Se a paz se instala um dia, ela somente será autêntica se cada indivíduo fizer, antes de mais, a paz consigo mesmo…” O mais espantoso é ter preservado, com uma admirável constância, um amor à vida e uma confiança inabalável no homem apesar dos crimes e atrocidades infligidos aos judeus. “Não tenho medo. Porém, não sou corajosa, mas guardo o sentimento de sempre lidar com pessoas e a vontade de compreender, tanto quanto puder, o comportamento de cada um… Apesar de todos os sofrimentos infligidos e de todas as injustiças cometidas, não consigo odiar os homens.” Em pleno inferno da guerra exclama: “O céu existe. Porque não vivemos nele? Mas, na prática, é antes o contrário: é o céu que vive em mim… Das tuas mãos, meu Deus, aceito tudo, tal como vier.”
Ao rezar, Etty não se descompromete da sorte dos seus contemporâneos. Muito pelo contrário: “Quero partilhar a sorte do meu povo.” “Quereria tornar-me presente em todos os campos… em todas as frentes.” “Toda a força, todo o amor, toda a confiança em Deus que possuímos, devem ser reservados para aqueles que cruzarmos no caminhos e deles necessitarem.” “Trata-se de sustentar a esperança, onde eu puder e onde Deus me puser.”
A sua força encontra-a numa relação íntima e intensa com Deus: “Existe agora em mim uma espécie de confiança natural e ilimitada em Deus, que me dá o sentimento de poder enfrentar qualquer situação.” “Se amo as pessoas com tanto ardor, é porque em cada um deles amo uma parcela de Ti, meu Deus. E procuro chamar-Te à luz no coração dos outros, meu Deus.” “Em verdade, só deveríamos escrever cartas de amor a Deus.”
Numa das suas últimas páginas do diário, podemos ler o seguinte: “Tu que tanto me enriqueceste, meu Deus, permite-me também a mim de dar às mãos cheias. (…) Quando, deitada sobre a minha cama, me recolho em Ti, meu Deus, lágrimas de gratidão inundam-me, por vezes, o rosto, e tornam-se a minha oração. (…) Não luto contigo, meu Deus. A minha vida é somente um longo diálogo contigo”. “Também eu quereria ser como uma melodia que brote da mão de Deus.”
Que bom seria podermos formar, juntos com Etty, a sinfonia de Deus…

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