PRIMAVERA 37 - Emmanuel de la Roncière
“O futuro incomoda-me. Tenho um temperamento inquieto, instável, a minha adolescência prolonga-se. Irá terminar aos 40 anos? Desejo que sim, para estar sempre insatisfeito (pois isso é um privilégio). Encaro a hipótese de ser artista, poeta, monge, filósofo, médico… O meu sonho era atingir a felicidade pela santidade.”
O rapaz que sonha com a santidade chama-se EMMANUEL DE LA RONCIÈRE. Nasceu a 25 de Março de 1954, em França e faleceu no dia 7 de Janeiro de 1975. É um jovem cheio de vida, turbulento, brincalhão, mas, no dizer dos pais, “adota cedo os valores mais fundamentais: sinceridade, pureza, renúncia à vulgaridade, ao tédio, sentido de generosidade e de oração”.
“A adolescência será para ele uma prova, trazendo à luz a sua insatisfação, as suas aspirações fervorosas ao amor total, a uma amizade perfeita. Sentir-se-á tentado pela droga, pelo movimento «hippie» (muito em voga na época), pelo «psicadelismo». Esses movimentos atraem-no pela recusa do conformismo, pela procura de novos modelos de vida, de amor, de expressão artística. Mas é demasiado sensível e íntegro para não se aperceber dos excessos e perigos que contêm.”
Emmanuel cresce, reflete, confronta-se com a vida e a realidade que o rodeiam. Uma prima dirá dele: “Tive a graça de conhecer Emmanuel este verão (1972)… e de admirar a sua maturidade de reflexão, uma sabedoria feita, já então, de amor pelos outros, de Deus e, sobretudo, de esquecimento de si próprio. Como se tivesse já compreendido que o essencial não é existirmos para nós mesmos, mas para um imenso Universo… Penso que ele estava mais perto da Verdade que a maior parte de nós.”
Além da sua paixão pela vida, quem o conheceu destaca a sua fé, hesitante no início, mas que se aprofunda no final da sua vida, centrando-se em Deus como o seu Essencial. Aproxima-se dos sacramentos, nomeadamente da eucaristia e da comunhão. “A sua alma contemplativa chega a Deus através da beleza – das paisagens, do mar, do céu -, mas também por uma relação direta, uma experiência íntima e pessoal… A sua experiência espiritual não o leva a esquecer a vida sobre a Terra, com os seus problemas, os seus sofrimentos e também as suas alegrias, nas quais se detém brevemente, mas com entusiasmo”.
Quando lhe perguntam que virtude escolheria se tivesse possibilidade disso, responde: “Penso que escolheria a perfeita atenção aos outros… Creio que é uma forma de santidade”.
É no final da última e longa viagem solitária de bicicleta que será colhido por um carro.
Por fim, um último testemunho, o de uma amiga, agora consagrada: “Nada na Terra satisfazia a sua sede de absoluto. Deus, que o atraía misteriosamente, levava-o a queimar as etapas, para o conduzir mais depressa à plenitude da Vida… Com quanta força e segurança atingiu ele o seu alvo! Como é belo passar, num instante, sem angústia, sem agonia, do desejo à posse, da sede à saciedade, das sombras da fé à luz da contemplação… Que deslumbramento!”
Última oração do Emmanuel, gravada numa cassete encontrada depois da sua morte:
“Pela angústia que me abrasa os olhos e o pensamento,
bendito sejas, meu Deus, bendito sejas.
Pela maçã que me refresca as entranhas,
pelo leite que sacia a minha boca,
bendito sejas mil vezes, Rei de amor.
Pela fria solidão que escurece a minha vida,
pela insatisfação que me enlaça o ser,
oh! como Te bendigo, meu doce Cristo!
Pela terra luminosa, banhada de sol
que eu quereria absorver e possuir completamente,
bendito sejas de novo, meu Tudo!
Pela minha vida que se consome em amor perdido,
que se retira lentamente como um longo espinho,
bendito sejas, louvado sejas, adorado sejas!
Pela angústia, pela ansiedade que me prende os pulmões,
pelos dias frios e cinzentos,
Pelas pessoas frias e cinzentas,
e pelos contactos humanos frios e cinzentos;
enfim, pelo mundo frio e cinzento em que choro,
sê o meu sol e meu perfume,
o meu regato, o meu pássaro.
Sê a minha valsa ligeira,
sê o meu riso fresco, infinito, multicolor.
Pela ferida de angústia que me faz respirar com mais força,
bendito sejas, louvado sejas, adorados sejas
meu Tudo, meu Rei, meu Amor.
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