O Senhor dos Anéis – John R. R. Tolkien, 1954
Os Hobbits são um povo discreto mas muito
antigo, mais numeroso outrora do que é hoje em dia. Amam a paz e a tranquilidade e uma boa terra lavrada: uma região campestre bem organizada e bem cultivada é o seu refúgio favorito.
Hoje, como no passado, não conseguem entender ou gostar de máquinas mais complicadas que um fole de forja, um moinho de água ou um tear manual, embora sejam habilidosos com ferramentas.
(in O Senhor dos Anéis – A Irmandade do Anel – Prólogo: Sobre os Hobbits).
O livro sugerido esta semana chama-se O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings), escrito entre 1937 e 1949 por John Ronald Reuel Tolkien. Trata-se de uma obra de literatura fantástica dividida em três partes: “A Irmandade do Anel”, “As Duas Torres” e “O Regresso do Rei”. A trilogia tem a marca da genialidade literária do filólogo e professor da Universidade de Oxford, que se insere no movimento de literatura católica do início do séc. XX.
Em suma, O Senhor dos Anéis narra a história de um grupo de habitantes da chamada Terra Média, composto por personagens de diferentes raças, mas com um objectivo comum: destruir o Anel Um, forjado pelo senhor das trevas Sauron e que lhe confere poder para subjugar a terra.
Enquanto género literário, este estilo de literatura fantástica procede uma tese apresentada em 1931 durante uma discussão com outros autores proeminentes da época. Tolkien defendia que o mitógrafo não é um fantasioso, mas alguém que participa activamente como subcriador no processo criativo divino, e por isso narra o real ainda que com uma aparência diferente. Acerca dessa tese, conhecida por mythopoiesis, um grande amigo de Tolkien escreverá o seguinte:
«Enquanto uma iluminação especial foi concedida aos Cristãos […] alguma iluminação divina foi concedida a todos os Homens, [e] devemos por isso esperar encontrar na imaginação dos grandes professores Pagãos e criadores de mitos, algum vislumbre desse grande tema que acreditamos ser a trama de toda a história cósmica – o tema da Incarnação, morte e Ressurreição.» (in LEWIS, C. S., Is Theology Poetry?)
Por esse motivo, não é de estranhar que encontremos em O Senhor dos Anéis lugares fantásticos, línguas estranhas inventadas por Tolkien e até diversos personagens arquétipo: os Hobbits, seres semelhantes aos humanos e com os quais nos podemos identificar; os Elfos, filhos do pensamento de Deus; os Anões e Orcs, subcriaturas feitas pelos anjos; e os Homens, herdeiros da Terra Média.
Na obra é possível identificar temas cristãos como o messianismo do rei dos Homens, que vem reunir os reinos dispersos; a conversão dos Elfos, que regressam do exílio na Terra Média para as terras imortais; o pecado e a concupiscência, simbolizados pelo Anel e pelo desejo de o recuperar e que, com o tempo, deformam a imagem do portador; a esperança na salvação, levada a cabo mesmo pelo mais pequeno dos personagens.
Durante a Primeira Grande Guerra, Tolkien prestou serviço no posto de Tenente no Regimento Lancashire Fusiliers. Como era inevitável, os seus escritos acabam por ser bastante influenciados pelas grandes crises da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Por exemplo, em O Senhor dos Anéis - As Duas Torres, a descrição dos pântanos no capítulo "A travessia dos Pântanos" é baseada nas memórias que tinha dos lamacentos e inóspitos campos da Batalha de Somme (Julho a Novembro de 1916) onde se viam inúmeros cadáveres de soldados tombados em combate. É ainda interessante observar que, com base nestas experiências, Tolkien também aborda na sua obra questões como o direito à vida, a amizade e a virtude da Fortaleza, no meio da guerra pelo domínio da Terra Média, em torno da qual giram todos os acontecimentos.
Por causa das longas descrições de lugares e personagens, o texto é bastante denso e rico em adjectivação, o que nos permite estimular a fantasia e entrar na história, não como um leitor desencarnado, mas como testemunha ocular dos acontecimentos. Ao estilo da tragédia grega, o desenvolvimento crescente da narrativa torna a trama bastante cativante, com muitos acontecimentos paralelos que se cruzam ocasionalmente. Mas, acima de tudo, O Senhor dos Anéis é uma história de esperança em Deus e na vida eterna, já que todos os acontecimentos concorrem para a eucatastrophe. Por isso, Tolkien escreve:
(…) a espreitar por entre a amálgama de nuvens, por cima de um pico escuro nas altas montanhas, Sam viu uma estrela branca piscar momentaneamente. A sua beleza inundou-lhe o coração, enquanto olhava para longe da terra maldita, e Sam voltou a ter esperança. Como um raio de luz fria e clara, penetrou-lhe no cérebro o pensamento de que, no fim de contas, a Sombra era apenas uma coisa pequena e passageira: fora do seu alcance havia luz e grande e eterna beleza.
(in TOLKIEN, J. R. R., O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei)
(Este artigo foi escrito com a colaboração de Diogo M. Machado)
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