O Pai Américo era assim
"Venho do Altar e trago este peito escaldante."
O primeiro livro a ser recomendado para leitura chama-se “O Pai Américo era assim”, da autoria do Padre Elias, publicado em 1958. Este livro consiste na primeira biografia póstuma do Servo de Deus Padre Américo Monteiro de Aguiar, conhecido pela fundação da Obra da Rua (Casas do Gaiato, Património dos Pobres, etc.). Esta biografia goza da mais-valia de ser narrada por quem partilhou o seu dia-a-dia e com ele confidenciou.
O texto é composto largamente por citações do próprio Padre Américo intercaladas por breves comentários narrativos que vão dirigindo a obra cronologicamente.
O Padre Américo nasceu em Galegos (Penafiel, Porto) a 23 de Outubro de 1887. Embora tivesse afirmado bastante cedo a sua vontade de ser sacerdote, foi impelido pelo seu pai para a vida de comerciante.
O quê? Não tem feitio para padre. Cantar, dançar, viola, pândega... Comércio, comércio. Não tem vocação para padre. (pag. 24)
Após quase duas décadas em Moçambique, abandona radicalmente a vida comercial e regressa a Portugal decidido a seguir a vocação que sempre estivera hibernada durante todo esse tempo.
A minha estrela andou encoberta anos e anos. Um dia porém, o vento soprou. Dissiparam-se as nuvens e a estrela brilhou esplêndida como a dos Magos. (pag. 43)
Quando perguntado sobre o que o tinha feito decidir-se entregar-se a Deus de maneira tão arrojada, respondia simplesmente: “Olha, foi uma martelada” (pag. 43).
Ingressou no Convento Franciscano de Santo António de Vilariño (Tui, Espanha) onde permaneceu perto de dois anos no fim dos quais lhe foi negado o acesso aos votos religiosos por ser, segundo o seu superior, demasiado impressionista para a vida monástica.
Saído do convento, pediu a admissão ao seminário da Diocese do Porto, a qual foi negada por causa da idade: por esta altura, o Padre Américo conta já com 37 anos. Dirigiu-se, então, à Diocese de Coimbra, onde foi aceite no seminário pelo bispo Dom Manuel Luís Coelho da Silva, que não viu na idade motivo para o recusar, ficando no entanto com algumas reticências.
Completando os estudos e sendo ordenado sacerdote em 28 de Julho de 1929, é-lhe confiada em 1932 a Sopa dos Pobres, que responde providencialmente à sua ânsia franciscana de ser pobre para os pobres, já começada no seminário com um voto de pobreza solenemente declarado nas mãos de Dom Manuel da Silva.
Na sua entrega pessoal aos pobres, serviu de instrumento de Deus para erigir aquilo que ficou conhecido como a Obra da Rua: começando com as Colónias de Campo, onde rapazes indigentes podiam passar o Verão com comida, uma cama lavada, catequese e diversão sadia; rapidamente se desenvolveu para as famosas Casas do Gaiato, residências permanentes que respondiam à dor que o Padre Américo sentia quando, chegado o fim do Verão, tinha que voltar a mandar as crianças das Colónias para as ruas.
Como podes tu adormecer teus filhos à noite, em boa paz de consciência, tendo notícia de que dezenas de crianças semelhantes às tuas dormem sobre papéis da rua, apanhados por eles mesmo nas montureiras?! (pag. 80)
À preocupação pelas crianças, juntou-se o Património dos Pobres, que consistia em casas oferecidas a famílias pobres que, de outra maneira, não teriam acesso a uma habitação digna. Por último, o Padre Américo respondeu às necessidades dos inválidos terminais e dos idosos com o Calvário: um asilo onde estas pessoas pudessem terminar os seus dias com dignidade.
Note-se que o Padre Américo não era um assistente social mas um sacerdote autêntico que de Jesus Cristo recebia tudo o que dava.
O sacerdote deve ser, no mundo, ponto de referência, para que todos possam atinar com o Céu, fixando nele o olhar. (pag. 186)
De facto, a sua dedicação à Obra da Rua e a todas as pessoas que com ele se cruzavam, existia no contexto de uma grande piedade sacerdotal, sendo a celebração da Santa Missa o ponto alto de cada dia seu.
Venho do Altar e trago este peito escaldante, a arder. Venho queimado. Por nada deste mundo troco esta hora matutina (...).
(...) eu subo e ofereço e comungo. Saio fora de mim e concentro-me. Cheira a cenáculo. Ouço o Mestre em oração. Sinto a agonia do Horto. Bebo o cálice. Ouço o abrir das covas. Sinto o martelo a ferir os cravos e estes a dilacerar a pele, desconjuntando nervos e ossos.
Ouço soluços sufocados. Vejo a Mãe desolada. O Salvador a arder em sêde. Ouço e vejo tudo. Sexta-Feira Santa em Jerusalém! Tudo ali no nosso altar de pedra que foi cortada nas nossas pedreiras. (pag. 54-55)
Da sua vida de amor a Deus chegam-nos bastantes exemplos da radicalidade da sua decisão de abandonar o “homem-velho” para tornar-se num “homem-novo”.
Vocês ateimam em fazer-me velho. Dão-me 67 Primaveras e afinal sou novo. Tenho apenas 23 anos. Os meus anos contam-se pelos do meu sacerdócio. Os outros não os vivi; perdi-os no mundo. (pag. 22)
Ao desenrolar-se com fluidez aos olhos do leitor, a fascinante vida deste egrégio avô relatada na obra “O Pai Américo era assim” constitui um valioso espólio de sabedoria. É uma leitura obrigatória imortalizada nas coleções dos grandes livros de literatura católica portuguesa.
Para mais informações sobre o processo de beatificação do Padre Américo Monteiro de Aguiar, poderá consultar-se a página oficial da Obra da Rua:
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